quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Istambul: a impositiva cidade dos minaretes


Minaretes. Assim são denominadas as torres ponteagudas que cercam as mesquitas turcas. São mais do que um elemento arquitetônico singular e não devem ser reduzidos a interpretação literal do seu sentido religioso: "apontam para o céu". Não! Não é isso. Os minaretes são a alma incisiva e estética da cidade. Impõem-se como um dedo indicativo, como as orações que ocorrem 5 vezes ao dia, como o mal odor dos tapetes das mesquitas, como a solitária imagem de Maria na Basílica de Santa Sofia. Ou, ainda como os insistentes vendedores do Grande Bazar. Impõem-se como a burca preta em meio ao sol intenso de junho a setembro. São como o som choroso que recita trechos do livro sagrado do islamismo, o alcorão. Um som acentuado pelo silêncio panorâmico da cidade. Uma oração sem face e que, por não tê-la, confunde-se com essa imagem arquitetônica, como se os minaretes entoassem, autonomamente, aquela melodia: sinos. Tão belos quanto o estreito de Bósforo, no seu perigoso e delicado equilíbrio entre o Oriente e o Ocidente, entre o Mar Negro e Mármara. Impõem-se como os palácios Dolmabache e Topkapi. Ostentam o excesso: de objetos, jóias, riqueza e mulheres em seus míticos Haréns. Um excesso impositivo, temeroso e hierárquico.
Mas, a noite _ nesse tempo imaginário da fuga _ a cidade muda, respira aliviada. Desaparecem, pouco a pouco, ao entardecer, as pontas autoritárias dos minaretes em um horizonte impreciso. Sobram apenas luzes que os circundam. Assim, a noite, os círculos tomam o lugar das pontas em uma bela metáfora. Pois, os círculos representam a eterna busca de escapar a prisão a que estamos condenados. Essa promessa sempre imperfeita da emancipação. Liberdade e prisão (eterna dialética circular).
E, é nessa promessa noturna, que Reina a mixagem entre o oriente e o ocidente (com privilégio para o segundo). As saias curtas aparecem, as meninas sorriem e o frio excitante se mistura as cores das lampadas azuis intermitentes da Ponte do Bósforo. Reina a juventude e toda a sua natural transgressão. Uma ousadia que questiona a tradição: _ Por que tem de ser assim? Por que rezar 5 vezes ao dia? Por que a burca? O jejum? Por quê? A tradição responde: Porque sempre foi assim. Mas, a transgressão em sua eterna réplica continua a pergutar: Mas, por quê?

Paris: a cidade horizontal


A cidade mais sonhada e etérea promete uma vida, sem entregá-la totalmente. Ela é tudo o que parece ser: há luzes que encantam nossos pequenos olhos e construções realizadas com uma única função: a de nos espantar ora pelos detalhes, ora pela grandiosidade. Mas, essa cidade não pode ser explicada por suas construções e pelas artes que concentra...como poderei te explicar?! Vou tentar...
Lá os prédios modestos recusam-se a tampar o céu, deixando esse espaço vazio, tão necessário para a alma. Em quase todos os apartamentos há cortinas de vuol branco que, sensualmente, acompanham o vento, desvelando os móveis, os quadros, lustres e a vida que se vive. Nas pequenas sacadas os moradores cultivam flores vermelhas (gerânios) que preencheem nosso caminhar banal pela cidade de leveza, distração e olhares ao alto. Uma cidade em que pão e flores possuem o mesmo status: necessários.Uma moça anda lentamente de bicicleta na calçada. Suas pernas giram nesse pequeno esforço. No cesto leva várias cartas em envelopes caprichosos e coloridos. Imagino agora a letra, as palavras e a afetividade que só uma carta a mão poderia trazer. Agora ela atravessa a calçada, tomba a bicicleta em um poste e dirigi-se a uma feirinha de frutas, flores e queijos. A cena, agora a distância, mistura-se ao conjunto de prédios, pessoas e cores. Uma promessa de vida...Os corredores radiais nos apresentam um “leque” de ruas para nos perder. E perder-se nessa cidade significa encontrar uma pequena loja de antiguidades, uma floricultura, um pequeno restaurante ou ainda ter de se desviar das charmosas mesinhas de um Café espalhadas na calçada. Há também sorveterias em que as bolas não são arremessadas agressivamente na casquinha, mas montadas com uma espátula a fim de formar, pétala a pétala, uma flor. Lá aprendi que bola de sorvete não tem que ser redonda...rs. Isso me fez perceber que nessa cidade nada é prático, nada combina com uma vida "fast food". Tudo dá trabalho, mas é esse trabalho que concede a todas as coisas corriqueiras uma aura. Como se o ritual de preparação delas fosse também a condição necessária de sua densidade sensível.Assim, como explicar essa cidade em que o dia demora a raiar e há praças e esculturas que provocam uma sensação paradoxal: a de sermos pequenos e grandes. A primeira vista nos sentimos reduzidos diante de tantas construções e histórias memoráveis. Mas, em seguida, a cidade generosamente nos acolhe. Não que o faça por sua verticalidade amedrontadora, mas em seu horizonte impreciso, no que promete sem nunca dar. No que deixa incompleto, a brecha para o desejo. Abre para nós, no raiar tardio e inevitável desse horizonte, a possibilidade também de sermos grandes...